Entrada A Freguesia
História - A guerrilha de Alpiarça PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Quarta, 13 Agosto 2008 23:36
Indíce do artigo
História
Memórias paroquiais
Alpiarça na literatura
Alpiarça a concelho
Alpiarça e as invasões francesas
A guerrilha de Alpiarça
José Relvas chega a Alpiarça
José Relvas “o motor” do 5 de Outubro
Todas as páginas
A guerrilha de Alpiarça
Alpiarça com os Liberais


Seguiram-se as lutas entre liberais e absolutistas, cujas figuras de proa eram os irmãos D. Pedro e D. Miguel, durante as quais a população de Alpiarça se colocou abertamente do lado dos liberais, revoltando-se em 1833 contra as ideias absolutistas de D. Miguel, apesar deste rei por aqui ter passado e até ter deixado boa impressão no povo. Pela leitura dos apontamentos do Morgado do Almonda e Coronel das Milícias de Santarém, José Faria Pereira, ficamos a saber que D. Miguel, depois de ter promovido uma toirada nocturna no Pombalinho, que teve a particularidade interessante de serem os touros a iluminarem a noite escura, usando archotes acesos na ponta das suas hastes, veio para Alpiarça onde patrocinou uma outra largada, que teve farta assistência da vila e dos arredores. D. Miguel, quando se deslocava a Alpiarça, ficava hospedado em casa de Francisco Jerónimo de Sousa Falcão. Passava-se isto em Janeiro de 1824.
Apesar destes acontecimentos que tiveram D. Miguel como protagonista, foi em Alpiarça que nasceram as primeiras guerrilhas contra os absolutistas, pois “a 6 de Julho de 1832 a guerrilha operava já em golpes de mão na vizinha região de Alpiarça, à qual aderira o próprio Juiz do Lugar, Gonçalo de Almeida” . No mesmo dia 6 de Julho, a vereação de Santarém, cidade que estava ainda na posse dos exércitos de D. Miguel, reúne para apreciar o caso da sua freguesia de Alpiarça . Na acta da reunião podemos constatar que “Nesta se recebeu um ofício do Doutor Juiz de Fora, do crime desta vila, em que se expunha que visto que o Juiz do Lugar de Alpiarça, João Gonçalo de Almeida, se ter tornado Rebelde, por isso que desempenhando o dito lugar tomara parte na guerrilha Rebelde que enfrentara aquela povoação e que a mesma guerrilha tinha morto o Escrivão, António Joaquim Calado – em consequência a Câmara deve providenciar a este respeito”.
 
José Freitas de Amorim Barbosa na sua autobiografia também se refere à guerrilha de Alpiarça quando diz que “corriam os dias de tribulação e de temores para uns e de esperança para outros. O açoite da cólera fustigava com menos força, mas o grupo exterminador ainda o empunhava e aplicava segundo os desígnios do Criador e Governador Supremo de todos os mundos; e quando menos se esperava surgiu uma guerrilha proclamando no lugar de Alpiarça a Carta Constitucional, percorrendo algumas aldeias do sul, roubando cavalos e outras coisas mais e assinalando o intróito dos seus feitos de guerra, pelo assassinato de um certo Calado, oficial de Correição, que encontrou em Alpiarça.”
As guerrilhas de cariz liberal ganharam nova dinâmica no Ribatejo em 1833, um ano depois de terem aparecido as primeiras acções da guerrilha de Alpiarça, numa acção estratégica que visou desviar as atenções das tropas absolutistas para o desembarque das forças liberais que ocorreu no Algarve. Um dos maiores dinamizadores destes grupos de guerrilheiros que actuou na região Ribatejana e que passou por Alpiarça, tendo depois estendido a sua acção ao Alentejo, foi D. Manuel Martinini, um antigo coronel do exercito espanhol, exilado em Portugal, que se estabeleceu em Punhete, futura Constância. Segundo um artigo de António Ventura, publicado no Boletim do Arquivo Histórico Militar “o levantamento comandado por D. Manuel Martinini iniciou-se na noite de 24 para 25 de Junho de 1833 em Tomar, com efectivos locais. A guerrilha aclamou a rainha D. Maria II, roubou os cofres públicos, apreendeu o armamento disponível, cavalos, mantimentos, libertou os presos políticos e desertores. Depois o grupo empreendeu uma correria rápida, entrando nas localidades e actuando como em Tomar. O seu percurso e datas foram as seguintes: Chão de Couce 25/6; Alpiarça e Almeirim 30/6, Coruche e Galveias 1/7”.
As forças de Martinini acabariam por ser encurraladas em Portalegre no dia 8 de Julho, e, depois de 9 dias de combate, foram fuzilados 23 homens e 123 outros refugiaram-se em Espanha, incluindo o próprio Martinini.
As tropas fiéis a D. Pedro começam então a ganhar algum ascendente e vão desalojando os Miguelistas das suas praças-fortes. Acabam por atravessar o Tejo na zona de Santarém, seguindo depois para Almeirim e Alpiarça. D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, Marquês de Fronteira e Alorna, relata nas suas memórias que “o meu irmão aquartelou-se na nossa residência na Goucharia com o seu esquadrão. Os catorze e quinze mil homens do comando do Duque (da Terceira) passaram todos o rio Tejo e acantonaram-se em Almeirim, Goucharia e Alpiarça. O Quartel-General estabeleceu-se na melhor residência da Praça de Almeirim”.
O exército de D. Miguel acaba por ser derrotado em Pernes e Almoster e desalojado de Santarém, o que era o prenúncio do colapso total.
Alpiarça aderira de alma e coração ao espirito liberalista, e logo em 6 de Julho de 1834 é elaborada uma lista de cidadãos da freguesia de Santo Eustáquio que aderiram á causa liberal, constando também o nome de 94 eleitores em condição de votar na Assembleia Paroquial e que seriam, tudo indica, pessoas que navegavam nessa área.
Quem teve uma acção importante nesta contenda entre absolutistas e liberais foi Manuel da Silva Passos, mais conhecido por Passos Manuel, que ficou dono das terras da Quinta da Torre depois de ter casado com Gervásia Falcão, prima do abastado lavrador João de Sousa Falcão, e que por aqui permaneceu com mais regularidade no amanho das suas propriedades depois de ter deixado a vida política. Passos Manuel logo em 1828 toma parte nos movimentos revolucionários contra o rei absolutista, no rescaldo dos quais se viu obrigado ao exilio em Inglaterra e na França. Regressado ao nosso país em 1834 é eleito deputado, destacando-se como um dos elementos da ala mais à esquerda dos liberais. Participa na Revolução de Setembro de 1836 que voltou a restabelecer a constituição de 1822 e que tinha como objectivos essenciais viabilizar um programa de grandes reformas que pretendiam democratizar o Estado e levar a população a participar mais activamente na vida política do país. Teve então o seu período áureo como político, ocupando os cargos de Ministro do Reino, da Fazenda e da Justiça. Foi Senador na altura em que se aprovou a Constituição de 1838 onde se defendia a diminuição das prerrogativas da realeza e a criação de duas câmaras formadas pelo voto popular. Depois de se ter retirado da cena política mais activa, emerge novamente com energia e vigor após o movimento popular denominado “Maria da Fonte”, de cujos princípios ele foi um defensor e uma referência, não só na região de Santarém, como em todo o país.

Alpiarça e a Revolta da Maria da Fonte

A revolta da Maria da Fonte ficou no imaginário dos Portugueses como sendo o levantamento das mulheres do Minho. Com efeito, foram as mulheres do Norte a liderarem a agitação que depressa se estenderia a grande parte do país durante os anos de 1845 e 1846. Segundo Manuel Pinheiro Chagas, na sua História de Portugal Popular “o que melhor serviu para excitar as paixões foram as leis recentes de Costa Cabral, relativas à saúde pública e à fazenda.
A lei da saúde alterava a velha uzança de enterramentos na igreja. Pela primeira vez a higiene pública se levanta contra os primitivos costumes religiosos. Os cadáveres, em vez de irem repousar para as igrejas – empestando ao mesmo tempo os que as frequentavam – eram mandados apodrecer em sepulturas, para um campo ou a bênção dispensava todos os outros resguardos. Ao espírito das mulheres, principalmente, isto apareceu como a mais monstruosa profanação, como o mais revoltante dos atentados. Elas tinham de ser, pois, naturalmente as primeiras a levantar-se em guerra contra esse monstro que em Lisboa era quem lhes absorvia tudo o que o seu labor produzia com contribuições. Constou também que os trabalhos iniciados para a nova decima de repartição (imposto) tinham por fim avaliar as terras para as venderem aos ingleses. Atacadas nas suas crenças, atacadas nas suas propriedades; vendo ameaçados os seus princípios religiosos e vendo em perigo de expoliação as suas leiras de terra, a população dos campos, supondo que ia morrer de fome e ia morrer sem que ao menos tivesse esperança de repousar em lugar santo, perdeu o susto da luta e dispôs-se a vender caro tudo o que tinha no mundo e tudo quanto podia vir a ter na vida eterna. O primeiro enterro que se quis efectuar em harmonia com a nova lei, deu lugar à primeira contenda. Estava lançado o fogo ao rastilho revolucionário”.
E foi assim que começou a chamada Revolta da Maria da Fonte, que a breve trecho se estenderia ao Ribatejo e a Alpiarça.
Na nossa região, a primeira cidade a sublevar-se foi Torres Novas a 19 e 20 de Maio de 1846, seguindo-se Santarém. No entanto, logo “em 17 de Maio, pelas 8 horas da manhã, ocorre a revolta de Passos Manuel em Alpiarça contra os Cabrais, após prolongada preparação do pronunciamento em casa do Barão do Pombalinho, em Santarém, e com o apoio do Barão de Almeirim e da burguesia scalabitana. Procedeu-se à queima dos documentos e notícias que vêm de Lisboa, em especial tudo o que tivesse a ver com a censura prévia, pelo Major de Ávila e Bolama, nas ruas de Alpiarça” .
Os alpiarcenses aderiram à causa liberal atraídos pela acção desenvolvida por Passos Manuel, que numa actuação rápida e eficaz logo tratou de captar a adesão da população, o que conseguiu com muita facilidade, tanto assim foi que, quando os revoltosos de Santarém se dirigiram à sua casa na Quinta da Tôrre, já aqui o não encontraram porque havia partido em direcção à Chamusca para organizar e dinamizar a revolta popular naquela vila.
Alpiarça foi assim das primeiras terras do Ribatejo a apoiar a Revolta da Maria da Fonte, o que é reconhecido pela Junta Governativa de Santarém, que havia sido formada para defender aquele movimento popular e “encarregada de dirigir o Pronunciamento Nacional da Estremadura” , da qual o próprio Passos Manuel fazia parte juntamente com o Barão de Almeirim e o Visconde Andaluz.
A 31 de Maio de 1846, Passos Manuel podia proclamar que a batalha fora finalmente ganha. Em carta dirigida ao Duque de Palmela nessa mesma data, manifesta o seu contentamento pelo sucesso do movimento: “Apraz-nos registar que Sua Majestade acedia finalmente ao voto unânime do paiz.
Demitido o Ministério Cabral, nomeado o Ministério actual e aceite por Sua Majestade o Decreto de 10 de Fevereiro de 1842, acha-se realizado o Programa desta Junta”.
A Junta não esquece os apoios que teve para atingir os seus objectivos. Ficam registadas as referências feitas à existência de forças populares prontas a combater e dentro destas merecem uma menção especial a “cavalaria d`Almeirim e d`Alpiarça que foram mandadas conservar nos seus domicílios…”.
As referências à cavalaria de Alpiarça têm a sua razão de ser, pois existiam nesta altura na povoação três unidades militares, o que é reflexo da importância política e estratégica da povoação. Aqui estavam estacionadas já há alguns anos a Guarda Nacional de Infantaria de Alpiarça, a Guarda Nacional de Cavalaria de Alpiarça e a Companhia Avulsa da Guarda Nacional de Alpiarça. Esta Companhia Avulsa, comandada por um Capitão, era uma unidade particularmente importante, pois já em 1837 contava com 60 elementos, entre os quais alguns oficiais, conforme se depreende da acta da Câmara de Almeirim, datada de 7 de Março desse mesmo ano, que refere a “Eleição do Comandante da Guarda Nacional e mais oficiais da Companhia Avulsa de Alpiarça. Nesta sessão se fez entrega de 60 armas e correame para armar a Guarda”. É também particularmente interessante referir que no dia 25 de Abril de 1837, “foi conferido por Sua Majestade a Eduardo José Guilherme Durão, do lugar de Alpiarça, Capitão Comandante da Companhia Avulsa da Guarda Nacional de Alpiarça” .
Após o triunfo das ideias e dos princípios defendidos pelos liberalistas, o alpiarcense Joaquim Pedro Durão é nomeado Administrador do Concelho de Almeirim pela Junta Governativa de Santarém, enviando em 9 de Junho de 1846 uma carta à referida Junta reafirmando a sua adesão aos princípios defendidos por esta entidade e propondo-se fazer “quanto estiver ao meu alcance para bem desempenhar o cargo que me foi confiado” . Joaquim Pedro Durão era pessoa bem referenciada pelos Liberais, pois havia sido eleito para o cargo de secretário da Comissão Municipal de Almeirim em 20 de Junho de 1833, através do grupo de liberais da vila, tendo posteriormente, em 30 de Maio de 1834, assinado o auto de aclamação de D. Maria II . Mais tarde iria ser Presidente da Câmara Municipal de Almeirim entre Janeiro de 1845 e Maio de 1846, voltando a ser novamente eleito para o cargo em Janeiro de 1850, com um mandato que se prolongou até Março de 1852.

Alpiarça e a guerra da Patuleia
Um país moribundo


Apesar da demissão de Costa Cabral em 20 de Maio de 1846, o descontentamento não parou com os governos presididos pelo Duque de Saldanha, cuja influência aumentou após um golpe militar vitorioso que contou com a conivência da própria Rainha D. Maria II. Novos focos de revolta se reacendem, onde mais uma vez a figura de Passos Manuel emerge com particular saliência. Organizam-se milícias populares compostas por trabalhadores e artistas e multiplicam-se os actos de guerrilhas um pouco por todo o lado. Durante cerca de 9 meses a guerra civil faria reacender velhos ódios, era a chamada guerra da Patuleia, “nome que tinha conotações depreciativas e que se referia à natureza popular dos que apoiavam a facção vencida, que seriam os “Pata-ao-léu” .
Mais uma vez esta terra diz presente. “Alpiarça participa então na revolta chamada da Patuleia, armando-se ou recebendo armas e juntando-se em Santarém ao movimento democrático de carácter constitucional e radical”, segundo afirma o historiador Jorge Custódio .
Finalmente o país parece serenar um pouco destas lutas entre gente do mesmo sangue. Ninguém parecia aguentar por muito mais tempo a situação caótica em que se vivia.
Com o fim das lutas fratricidas que tivemos ocasião de abordar de um modo muito ligeiro, lutas essas que tinham levado o país à guerra civil, a população estava exausta, desesperada e rodeada de miséria que grassava um pouco por todo o lado, muito especialmente no interior. E, se já não bastassem as dificuldades do dia a dia, surgia o fantasma das doenças originárias de outros países, como é o caso da “cólera morbus” que, vinda do Egipto, começava a fazer sentir os seus terríveis efeitos em Espanha, temendo-se o seu alastramento a Portugal. Essas notícias aterradoras chegavam a Alpiarça, cujas autoridades locais decidem actuar com rapidez de modo a prevenir desgraças futuras. Assim, em 28 de Julho de 1885, é formada uma comissão de sanidade na freguesia de Alpiarça que integra o médico do partido municipal, Dr. Joaquim Duarte Governo, bem como Jacinto Augusto dos Mártires Falcão, que era vereador na Câmara Municipal de Almeirim, e o regedor da paróquia. Ao mesmo tempo a Junta da Paróquia constitui uma comissão de beneficência destinada a acorrer aos mais necessitados e da qual fazem parte o Padre Silvério Pereira Perfeito, José Joaquim de Almeida Pacheco, José da Costa Jacob e João Maria da Costa. Não se pode dizer que as autoridades da freguesia, civis e religiosas, não se tenham preocupado e precavido para problemas futuros e na verdade não há notícias de casos relativos a epidemias graves na freguesia.
Os anos passados nas questiúnculas politicas entre apaniguados de D. Miguel e D. Pedro atrasaram ainda mais o desenvolvimento do nosso país, que ainda à bem poucos anos vivia no rescaldo esplendoroso dos descobrimentos. Eramos então os ricos da Europa, situação única em Portugal, que nunca mais se voltaria a a repetir. A esperança há muito tempo que havia dado lugar à descrença e a realidade diária ajudava a cimentar esse pessimismo. O estado a que o nosso país tinha chegado após estes anos sofridos, onde aconteceram muitas coisas más, como as invasões francesas, guerras civis, lutas políticas internas, agravados pelo facto da côrte se ter refugiado no Brasil durante um período de tempo muito longo, está exemplarmente reflectido no balanço final efectuado nos livros oficiais acerca “do estado em que nos deixou o ano de 1846.
Sem comércio – sem artes – sem agricultura – sem autoridade – sem lei – sem segurança – sem propriedade – sem paz – sem ordem – sem meios – sem crédito – derramando-se sangue – perdendo-se vidas – amontoando-se o número de desgraçados”.
Mais palavras para quê.
O país estava a necessitar com urgência de um rumo e de se orientar por objectivos mobilizadores que o levassem ao progresso. Os anos que se seguiriam não iriam ser fáceis. Começa a questionar-se a própria monarquia e a sua capacidade para conseguir essa mobilização positiva entre os portugueses. A oposição começa a movimentar-se, a principio timidamente, mas com o passar dos anos vai cimentando a sua importância e a sua visibilidade, ao ponto de começar a eleger alguns deputados.
Os espíritos mais esclarecidos, muitos deles gravitando na órbita do poder, sentindo o desânimo que perpassava pela população e julgando interpretar os seus legítimos anseios de uma vida melhor, começam a organizar de um modo eficaz essa oposição aos governos de inspiração real e à própria realeza, com alguns dos opositores a saírem do próprio círculo monárquico, como é o caso do Dr. Bernardino Machado, desagradados com a forma como o país estava a ser governado e com os escândalos que constantemente envolviam a Casa Real, dando motivos acrescidos para que essa oposição ganhasse força e adeptos e se juntasse em redor do Partido Republicano.
 
atualizado em Terça, 26 Agosto 2008 22:48